Aldo Barreto
Estou perdido. Olho para todos os lados e o que vejo é apenas
pedra e areia. Sinto-me exausto, com uma sede que parece que
secou até o sangue de minhas veias. Minha memória me trai.
Não lembro como fui parar ali, quais os fatos que desencadearam
aquela situação. Há vagas lembranças. O grito de uma mulher. Eu,
no banco do carona, com um homem, que não lembro quem,
dirigindo em altíssima velocidade. Só a imagem do seu pé direito
afundado no acelerador. E uma enorme solidão. Uma solidão que
parece uma coisa física, como se tivessem me enfiado concreto
goela abaixo e aquela massa estava se tornando um bloco sólido
que comprimia o meu coração fazendo com que ele não
conseguisse sentir coisa alguma, apenas um aperto e um vazio de
quem já não tem mais nada e já perdeu até a própria identidade.
Mas a sede aumenta. Como se ainda fosse possível ter mais sede.
Meus lábios estão rachados e o ar cada vez mais rarefeito. A cada
inspiração tenho que fazer mais força. Talvez esteja perdido a dias
e não há nenhuma direção a tomar. Deito na areia. O sol já se pôs
e começa a bater um vento frio. Meus olhos estão ardendo. Meus
pés inchados. O céu está roxo e começam aparecer as primeiras
estrelas. Já não me sinto só. De repente sinto uma paz enorme,
junto com a certeza absoluta de que não conseguirei sair dali.
Nenhum passo a mais. A noite está caindo e com certeza eu não
resistirei.
Há uma pequena fogueira a dois metros de mim. Ao meu lado, um
homem de cabelos negros compridos e pele escura. Acho que é
um índio. Não me assusto. Ele está sentado, de pernas cruzadas,
olhos fechados, e parece estar orando em uma língua que eu
nunca ouvi. Quando termina a oração abre os olhos e me olha
com um olhar sereno. Sua estatura parece ser muito maior que a
de um humano. Sinto-me como um pássaro ferido em suas mãos.
O sol está nascendo. Estamos na beira de um penhasco que parece
ter mais de mil metros de altura. É um cânion imenso no meio do
deserto. Estou de pé, me sentindo mais forte. Não lembro quantos
dias fiquei deitado para recobrar as forças. O índio sempre ao meu
lado, orando e me dando folhas para mascar. Apenas folhas com
um gosto leve. Ele olha para mim querendo dizer alguma coisa e
pula ! Sim ! O índio mergulha penhasco abaixo! Eu grito. Tento
fazer um movimento como que para tentar agarrá-lo e quase caio.
Mas ele está mergulhando. Começo a chorar. Ele está em queda
livre e vai se tornando um ponto preto rente à parede. Paro de
olhar. O ponto desaparece. Estou aos prantos. Volto a olhar para
baixo e de repente vejo alguma coisa se mexendo. A imagem vai
aumentando. É um pássaro. Um pássaro voando penhasco acima
em minha direção. Passa por cima de mim e me espanto com sua
beleza e tamanho. Da ponta de uma asa à outra deve medir uns
quatro metros. Ele começa a descer. Dá um mergulho em minha
direção e me deito achando que vai me atacar, mas ele pousa ao
meu lado. O índio pousa ao meu lado. Um segundo antes de pôr
as garras no chão aquele enorme pássaro se transforma no índio.
Ele dá um sorriso, aponta para mim e depois para o penhasco…É a
minha vez !
Aldo Barreto: voz, violão de nylon e bateria
Bráulio Resende: guitarra
Marcelo Mainieri: contrabaixo
Mariana Pilatos: violino
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Vou pedir pro meu Padinho
Vou pedir pro meu padinho
Junto de Nossa Senhora
Peço com muito carinho
Você Já Não Precisa Mais
Você já não precisa mais ter medo
É tudo ilusão
Você já não precisa mais cair
Raimundo da Paixão
Eu sou Raimundo da Paixão
Sou dilúvio , erosão
Na guarita eu vou cozinhando