Seu repertório de estréia é, em grande parte, auto-biográfico.
A canção Marangê, que abre e dá nome ao show e ao CD, “Tem jangada saindo pro mar / É Marangê / Navegando pra dentro do mundo” sugere o ponto de partida da “viagem”, metáfora da própria existência, do estar no mundo. E partimos em busca de uma identidade, de nosso “self”, com os olhos atentos e o coração aberto.
E essa busca e seus questionamentos são o tema recorrente em quase todas as canções.”Quais as metas pra se ter / Que planos / Tantos gestos pra se ver / Enganos / Quais idéias pra se crer / Um tanto ao céu / Um tanto ao mar / Amém”, canta em Os Home e sugere uma receita, simples mas nem tanto, “Amar apenas / Arar a terra / Regar a alma / Seguir com calma”.
“Amar apenas…”. O amor, paixão avassaladora não consumada que em Malandro se Encantou transcende e se transforma no amor universal, que a tudo permeia e que talvez seja a verdadeira e única meta: “E aos poucos viram / Que o amor virou / Uma luz, um canto / Uma oração, calor / Muito além do mundo / Muito além da dor / Cura pro enfermo / Seja do que for / E não importa como / E não importa onde / Estando perto ou longe / Um canto de paz / E de querer bem / Não importa quem / Assassino ou Monge”.
Em Novas Formas de Amor, uma inspirada declaração que ficou para o próximo CD, o fato de estar apaixonado nos coloca nesse nível de consciência, em sintonia com, como dizem os místicos, o “Campo Unificado da Lei Natural”, mesmo que por poucos momentos: “Quantos homens vão viver / Sem ter tido ao menos uma chance / De te ver os olhos / De parar no tempo / Flutuar ao vento / Perder a razão / Já não ter mais medo / Nem que seja apenas / Um minuto de ilusão”.
Mas a ilusão é viver um grande amor? Estar sempre “conectado”?
Em Você Já Não Precisa Mais, a grande ilusão é o próprio mundo,com as crenças que nos são impostas, pelas limitações do plano físico, por ficarmos aprisionados à nossa percepção baseada apenas nos nossos cinco sentidos: “Você já não precisa mais / Ter medo / É tudo ilusão / Você já não precisa mais / Cair / Não mais perder o chão” canta, e sugere um futuro otimista, onde poderemos viver, de novo, “em unidade”: “E nossos beijos se transformarão / Em cada novo jeito de amar / No estrondo de um trovão / Nos pelos brancos de um urso polar / Em todo desprendimento / E pedido de perdão / Em cada correnteza / Cada mergulho ao mar / Cada delicadeza”.
E há outras belas canções, permeadas de emoção. Há o resgate do universo infantil, de sua autenticidade e leveza de viver, em Vida Agora: “Vamo falar de amor / Vamo tocar tambor / Vamo dormir na rede / E com beijo matar a sede… …Vamos sair pra rua / E brincar de esconde-esconde / Ficar de papo pra lua / Comendo fruta do conde”.
Enfim, um trabalho de quem está trilhando sua própria jornada e nos abre o seu coração. De quem está em constante busca, “navegando pra dentro do mundo”, e nesse seu processo de “individuação” foi fundamental passar a se expressar através da palavra cantada. E em “cada mergulho ao mar” brotam versos carregados de significado, de um artista que fala com o mais profundo sentimento. Um trabalho para se ouvir com atenção, com o encarte na mão, ou o mais provável na era do MP3, a letra aberta na tela do computador.
Tem jangada saindo pro mar. E na bagagem, várias texturas, cores, formas, delicadeza e sensibilidade. E que bons ventos o levem, nesse ofício mágico e divino de garimpar versos e melodias, e que continue a nos regar a alma e a nos lembrar, como na balada Quase Nada, que no fundo, precisamos “de pouco / Quase nada / Um sorriso de filho / Um abraço do mar / Quase nada”.
Veja as canções a seguir:
Marangê
Tem jangada saindo pro mar
É Marangê
Navegando pra dentro do mundo
Vou pedir pro meu Padinho
Vou pedir pro meu padinho
Junto de Nossa Senhora
Peço com muito carinho
Os Home
Os home feito bicho
Os home feito cão
Os home feito mito
Eu Quero
Teu dom é me fazer sonhar
Com um mundo onde só cabe amar
Onde possamos ser crianças e te ver dançar
Malandro se Encantou
Malandro se encantou
Cantando se embalou
Balaio carregou
Contigo do Lado
Aprendizes que somos
Dois meninos
Iludidos por cada nova cor
Vida Volta
Nessa cadência lenta
Levando no compasso
Cantando a mesma lida
Pra te Ver Cantar
Eu quis fazer um xote
Pra me fazer feliz
Pra que eu pudesse lhe falar
Você Já Não Precisa Mais
Você já não precisa mais ter medo
É tudo ilusão
Você já não precisa mais cair
Raimundo da Paixão
Eu sou Raimundo da Paixão
Sou dilúvio , erosão
Na guarita eu vou cozinhando
Vida Agora
Deixa eu rir à vontade
Deixa eu falar bobagem
Deixa eu vir de repente
Rio ao Mar
Correnteza a me levar
Tempo e mar
Flor e folha a navegar
Quase Nada
Eu que preciso de pouco
Quase nada
Um sorriso de mãe
Um sonho
Estou perdido. Olho para todos os lados e o que vejo é apenas
pedra e areia.